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Engenharia clínica na atenção domiciliar

by viviejaque

Renata Vila Verde*

A engenharia clínica na atenção domiciliar apoia a segurança do paciente utilizando práticas e conhecimentos técnicos de engenharia para a utilização da tecnologia médica. A engenharia clínica ou eletrônica médica teve seu período de ouro pós-Segunda Guerra Mundial, com a introdução de grande quantidade de equipamentos, como ultrassom, tomógrafo e analisadores, além de outras novas tecnologias disponíveis. Com a utilização destas tecnologias e em grande quantidade, cada vez mais havia a necessidade de se ter um profissional responsável pela instalação e utilização seguras. 

No Brasil, a engenharia clínica começou a se destacar no início da década de 1990 devido a muitos equipamentos médicos parados sem utilização, representando grandes prejuízos financeiros e clínicos para o país. 

A principal função da engenharia clínica é executar o gerenciamento de tecnologias em saúde a partir de bases científicas e técnicas, normativas e legais, com o objetivo de garantir a rastreabilidade, a qualidade, a eficácia, a efetividade, a segurança e, em alguns casos, o desempenho das tecnologias de saúde, contribuindo para a melhoria do cuidado ao paciente. 

Com a redução do tempo das internações hospitalares e os avanços e a praticidade das tecnologias médicas, está cada vez mais frequente a utilização de equipamentos voltados para a atenção à saúde do paciente em ambientes domésticos. Soma-se a isto a redução de custos hospitalares e, consequentemente, o aumento da qualidade de recuperação do enfermo. Como consequência, a utilização de equipamentos médicos complexos no ambiente domiciliar pode trazer riscos importantes tanto para o paciente quanto para o ambiente, quando não adequadamente utilizados e monitorados. Para minimizar tais riscos, o gerenciamento por profissionais especializados torna-se imprescindível.

O gerenciamento de tecnologias em saúde deverá ocorrer em qualquer local em que for necessária a utilização de equipamentos médicos, mas, principalmente, em ambientes em que, embora haja suporte intermitente de profissionais de saúde, há a possibilidade de pessoas leigas operarem equipamentos complexos. 

Em ambientes domésticos, identificamos uma grande variedade de equipamentos médicos, que podem variar conforme a patologia clínica de cada paciente, destacando-se, em sua maioria, camas hospitalares, mecânicas ou elétricas; concentradores de oxigênio; continuous positive airway pressure (CPAP); cough assist; catéter de alto fluxo; oxímetros de pulso; esfigmomanômetros e, em casos mais graves, bomba de infusão; monitor multiparâmetro; ventilador pulmonar e sistema de diálise.

Além da diversidade de equipamentos, destacamos, em alguns casos, a heterogeneidade de modalidade de aquisição, que pode ser própria da família ou por locação. Cada uma destas modalidades exige um cuidado específico, seja por parte da família, seja por parte da empresa locadora. 

Com a diversidade de equipamentos médicos que é encontrada em um ambiente domiciliar, o desafio é garantir a eficácia, a efetividade e o desempenho dos aparelhos de modo que sua operação permaneça contínua e segura. Para isso, a gestão do ciclo de vida dos equipamentos médicos deverá ser executada por profissionais habilitados, desde a instalação, o treinamento, a utilização, até a decisão do momento ideal para o descarte do aparelho. 

A engenharia clínica deve estar presente na atenção domiciliar, auxiliando na escolha da melhor especificação técnica do equipamento, planejando a frequência ideal (localização geográfica, quantidade de equipamentos disponíveis, manual do fabricante, entre outros fatores) da manutenção preventiva, preditiva e da calibração, acompanhando a manutenção corretiva, realizando treinamento contínuo para toda a equipe e descartando ou substituindo o aparelho por motivos técnicos ou alteração na patologia clínica do paciente. 

A gestão da vida útil desses equipamentos deverá ser mais rigorosa no ambiente domiciliar do que em um hospital, pois, no ambiente domiciliar, nem sempre temos um suporte contínuo de profissionais da saúde, e, às vezes, não há equipamentos de backup para substituição imediata. Desse modo, a gestão desse parque deverá ser executada de forma própria (contratando empresa para realização das manutenções e calibrações) ou exigindo as devidas manutenções de uma empresa contratada. Ambas as ações deverão atender às orientações de cada fabricante e às legislações locais. 

A utilização de tecnologias médicas em uso doméstico traz alguns riscos que precisam ser minimizados. Podemos destacar, entre eles: erro na operação por pessoas leigas em situação de alarmes e/ou em circunstâncias inesperadas; dificuldade de operação dos profissionais da saúde devido à grande diversidade de tecnologia; mudança no quadro clínico do paciente, que exigirá alteração de parâmetro sem um profissional da saúde no local; manutenções inadequadas ou fora do prazo exigido em manual do fabricante; risco de incêndio causado por superaquecimento, curto-circuito ou por ambiente inadequado, com pacientes em caso de terapia com oxigênio; condições anti-higiênicas e o próprio ambiente domiciliar inadequado. 

No âmbito domiciliar, a gestão dos equipamentos médicos é essencial para contribuir com a continuidade do tratamento à saúde de maneira segura e eficaz. A gestão não envolve simplesmente o dispositivo médico; precisa, também, conhecer o cenário no qual será instalado e a especificação correta, conforme a patologia; avaliar as condições físicas e geográficas do local; possibilitar treinamento para todos os envolvidos (leigos ou não); saber da necessidade de backup para substituição imediata; conhecer a frequência das manutenções; entre outros fatores que contribuirão para a continuação do tratamento em domicílio. 

*Engenheira clínica, e engenheira eletricista, Black Belt em Lean Six Sigma, CEO da empresa Serviço de Engenharia Otimizada Hospitalar (SEOH).

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