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Moradias inteligentes Wellness com saúde conectada 5.0

by viviejaque

Mariana Mie Chao

Chao Lung Wen

 

Nos últimos 15 anos, a sociedade moderna passou por importantes mudanças comportamentais provocadas pelas tecnologias eletrônicas, telecomunicação, redes sociais e processamento em nuvem. A velocidade de conexão entre as pessoas para a modalidade on-line mudou as formas de comunicação e de provimento de serviços. Simbolicamente, o início deste processo pode ser associado ao lançamento do iPhone (2007), que colocou em um dispositivo computacional portátil uma grande capacidade de processamento, com uso de multimeios digitais, e capacidade de funcionar como um dispositivo de voz. Nos próximos cinco a dez anos, com os avanços das tecnologias de grafeno, da internet das coisas e da internet móvel 5G, os dispositivos eletrônicos (smartphones e wearables) tornar-se-ão mais rápidos, capazes de utilizar inteligência artificial e realizar multiprocessamentos locais, compartilhamento em nuvem e integração com vários dispositivos.

Desde 2016, vem ocorrendo a popularização do termo “amazonização”, que começou pelo ambiente do varejo (e-commerce e logística de distribuição), e, em 2018, foi ampliado à área da saúde. Embora, inicialmente, faça alusão à Amazon (que, em 30/01/2018, formou uma parceria com Berkshire Hathaway e JPMorgan Chase & Co. para criar uma empresa de serviços de saúde que atendesse a todos os seus funcionários nos Estados Unidos, visando oferecer qualidade de serviços a preços mais razoáveis e competitivos), a expressão é mais ampla e se refere ao processo de aceleração da incorporação digital que grandes empresas, como Amazon, Google, Microsoft, Facebook, Apple, Samsung, Huawei, Walmart, empresas de telecomunicação, entre outras, estão fazendo na saúde.

Outra expressão em uso atualmente é “telemedicina”, que, ainda que esteja quase que exclusivamente associada à noção de provimento de serviços assistenciais, é, na verdade, a aplicação das “teletecnologias assistenciais” em quatro grandes grupos de serviços: assistência, pesquisa, educação e promoção de saúde e prevenção de doenças. É um método desafiador e que introduz um elemento “diferente” na cristalizada e tradicional situação presencial entre o médico e o paciente. Existem pelo menos cinco pilares que devem ser considerados na inclusão da telemedicina responsável: 1) a tecnologia em si (segurança, suporte, facilidade de uso, custo e qualidade técnica); 2) a aceitação, tanto por parte dos pacientes e responsáveis quanto pelos profissionais de saúde; 3) o custo de manutenção/sustentabilidade; 4) os aspectos institucionais e organizacionais (protocolos de serviços, controle de qualidade, treinamento continuado da equipe, inovação, startup, entre outros); e 5) os quesitos éticos, legais e de regulamentação (incluindo regulação, normas e governança digital, diretrizes de boas práticas para segurança dos pacientes, acreditação e certificação institucionais). Estes requisitos de complexidades diferentes devem se articular entre si para a implementação de uma telemedicina de qualidade. 

O sistema de saúde que conhecemos atualmente é centrado em hospitais e em cuidados de doenças. Isto gera custos cada vez mais altos por causa da soma de novas tecnologias de tratamentos e diagnósticos. O modelo atual tende a entrar no esgotamento funcional, principalmente em decorrência do aumento da expectativa de vida, do envelhecimento da população e dos hábitos pouco saudáveis, como sedentarismo, nutrição inadequada, sobrepeso, entre outros aspectos. Segundo dados coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2030, haverá 42 milhões de brasileiros com mais de 60 anos. Os hospitais, como conhecemos hoje, centrados exclusivamente em métodos de diagnósticos e tratamentos de doenças, tenderão a atingir o seu limite de crescimento por volta de 2025, pois, de acordo com dados do Instituto Coalizão Saúde, os gastos com saúde, em 2035, deverão chegar a 25% do produto interno bruto (PIB), um peso insustentável. Precisarão se reinventar no modelo de sustentabilidade, expandindo os tipos de serviços que prestarão, bem como a ampliação dos serviços a serem oferecidos para as residências dos pacientes e o uso eficiente e responsável dos recursos de telemedicina para oferecer cuidados integrados e multiprofissionais (biopsicossocial). Os futuros cuidados serão expandidos para ambientes domiciliares e necessitarão de adequação das residências dos pacientes, segundo os seus próprios modelos do cotidiano, mas incorporados de tecnologias, para que se possa prover serviços de forma digital e conectada, mantendo a qualidade hospitalar. 

Moradias inteligentes Wellness com saúde conectada 5.0

As moradias inteligentes Wellness consistem em um repensar do modo de se viver olhando as tendências da sociedade 5.0. Não se restringe a apenas conceber espaços funcionais com flexibilidade e segurança interna que evitem riscos de acidentes. Devemos incluir um nível de automação com uso de inteligência artificial para auxiliar no estilo de vida que possa promover o bem-estar (design de adequação domiciliar com humanização e saúde conectada). Neste conceito, os domicílios projetados ou readequados teriam várias características fundamentais, como reversibilidade funcional, armazenamento planejado de materiais, facilidade de higienização, saúde ambiental (contra umidade, mofo ou baixa umidade), cuidados contra insetos, sinalizadores verticais e horizontais, sistema de alerta integrado com recursos de musicoterapia, cromoterapia, aromaterapia (bem-estar imersivo) e recursos que proporcionem o mínimo de conforto indispensável em casos de falta de energia. Os cuidados em domicílio serão expandidos para além dos cuidados ao paciente enfermo, para o cuidado do conjunto família (cuidado integrado familiar ou Family eCare). 

O sistema de saúde passará a ser no conceito de saúde conectada 5.0, que possui dois pilares de sustentação: a humanização e a tecnologia. Na humanização está a assistência integrada na escala 24×7, na qual os pacientes terão a facilidade de gerenciar a logística de sua condição de saúde a qualquer momento e estarão mais interessados no seu bem-estar e na qualidade do estilo de vida do que no tratamento de doenças. Na tecnologia encontra-se a segurança digital com processamento de big data e uso de inteligência artificial integrada à internet das coisas e aos wearables (dispositivos vestíveis) para reintegração social por telessaúde integrada e autocuidado. Isso fará com que os hospitais sofram uma desconstrução do modelo atual e passem a fazer parte da logística da saúde dos pacientes por meio da telemedicina, reduzindo as taxas e o tempo de duração média das internações em hospitais. 

As moradias inteligentes Wellness abrirão a perspectiva para a organização de um novo ecossistema em saúde, no qual os recursos de saúde conectada serão utilizados na organização da rede de saúde distribuída, com os hospitais e o centro de diagnósticos utilizando a telemedicina de logística em saúde para organização de um novo modelo de cadeia de cuidados em saúde. Dentro deste novo ecossistema, será possível que os hospitais, com a mesma estrutura física, possam cuidar do dobro do número de pacientes, com duas vezes mais conforto, considerando que haverá a recuperação domiciliar e os serviços de gestão de qualidade de vida e prevenção de doenças. 

Exemplo: entre os cuidados que se precisa ter em relação à população idosa estão as preocupações com independência cognitiva/emocional, independência motora, redução de doenças crônicas e redução de riscos a acidentes e doenças respiratórias.

No aspecto cognitivo, um estudo recente demonstrou que o músculo em atividade produz um hormônio denominado irisina, que possui a propriedade de reduzir os danos causados pelo Alzheimer. Assim, caso um idoso realize atividades com frequência dentro de casa, além de melhorar a musculatura e a coordenação motora, ele terá benefícios na redução de potenciais efeitos causados pelo Alzheimer. Para que seja possível realizar exercícios sem necessidade de aparelhagem especial (precisa-se de apenas duas cadeiras e um bastão), bastará liberar um espaço de 1,5 m² na sala e fazer uso de um tapete de sinalização horizontal de passos de exercícios. Caso, na sala, disponha-se de uma câmera, os exercícios podem ser realizados de forma conjunta com outros idosos conectados e sob supervisão de um fisioterapeuta ou educador físico. Assim, o ambiente domiciliar tornar-se-á um espaço de atividade física e convivência social. Além do aspecto motor e cognitivo, a sala conectada também promove o bem-estar emocional e social.

Nos casos das residências para população idosa, os projetos são baseados em áreas físicas de 30, 45 e 70 m2, organizados em formatos integrados (nas duas primeiras opções) e com separação de ambiente (para a última opção). Os espaços são definidos pela possibilidade de oferecerem ambientes agradáveis e com sensação de amplitude, pela aplicação de projetos de flexibilidade funcional. Porém, uma  característica importante é a facilidade de limpeza (15 minutos diários para manutenção e uma limpeza terminal a cada 45 dias). As escolhas dos materiais são igualmente importantes, tais como pisos antiderrapantes, resistentes à lavagem, inclusive a vapor, pois esta característica permite reduzir o uso de produtos de limpeza química, o que diminui os riscos de alergia e intoxicação. A flexibilização funcional é baseada no conceito da expansão de um espaço com 50 m² para ser funcionalmente equivalente a 100 m², por meio da distribuição das áreas em concentração temporal. Biombos retráteis e automatizados poderão ser utilizados para fins de separação ambiental, decorativos e manutenção de privacidade, principalmente para apartamentos ou casas cujas janelas dão de frente para os vizinhos.

Nas moradias inteligentes Wellness, além de higienização e segurança, conectividade, organização da distribuição de espaços, uso de móveis funcionalmente planejados, é preciso, também, cuidar de alguns outros aspectos, como:

    1. Uso de sensores contra gás ou fumaça, como sistema de alerta para incêndio;
    2. Prever local para armazenar manta anti-incêndio perto do fogão, em caso de acidentes;
    3. Inclusão de tomadas dentro dos armários para uso de desumidificadores elétricos (para residências em litoral ou armários perto de banheiro), com objetivo de reduzir a umidade e os problemas com mofo;
    4. Inclusão de lâmpada UV-C bactericida dentro do armário;
    5. Higrômetro para medição de umidade e uso de umidificador em caso de ambiente seco;
    6. Uso de Alexa (Amazon Echo) ou Google Home para automatizar luzes e controle de alguns dispositivos eletrônicos;
    7. Inclusão de câmeras para monitoramento, caso necessário;
    8. Organização de espaço para armazenamento de medicamentos com proteção à luminosidade, à umidade excessiva e térmica;
    9. Área de armazenamento de prontuários e dados sobre saúde;
    10. Utilização de sinalizadores em armários para fácil identificação dos objetos no seu interior;
    11. Instalação de sinalizadores fosforescentes que guiem os residentes em ambientes com baixa luminosidade ou sensores de presença que acendem os balizadores;
    12. Uso de equipamentos nobreaks em pontos estratégicos, que proporcionem o mínimo de conforto, indispensável em casos de falta de energia, assegurando a possibilidade de acender o abajur, carregar o celular, garantir o funcionamento da internet nas casas com automação e das assistentes virtuais.

Conclusão

Os gastos com bem-estar e qualidade de vida são bem mais prazerosos do que com medicamentos e doenças. O sistema de saúde e o crescimento econômico do setor só serão viáveis no momento em que médicos e planos de saúde passarem a prescrever práticas de hábitos saudáveis para prevenção de doenças, não apenas o tratamento delas. O ecossistema residencial 5.0 com saúde conectada é uma prática economicamente viável e benéfica não apenas para seus usuários, mas, também, para a economia mundial.

*Arquiteta, atua em arquitetura 5.0 Wellness para telemedicina e telessaúde integrada, com ênfase em ambientes funcionais, saudáveis e seguros para promoção da saúde e  dobem-estar. Certificada pelo HBC-Pro – Healthy Building Certificate (Selo Casa Saudável).

**Médico, professor-associado da USP, chefe da disciplina de Telemedicina do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP e líder do Grupo de Pesquisa USP em Telemedicina, Tecnologias Educacionais e eHealth no CNPq/MCTI.

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