Mesmo em um cenário marcado por hospitais sobrecarregados e escassez de leitos, a discussão para incluir o home care no rol de procedimentos obrigatórios dos planos de saúde segue sem avançar. Ao todo, cerca de 40 proposituras sobre o tema tramitam na Câmara dos Deputados, das quais 16 foram apresentadas nos últimos cinco anos
No Brasil, quatro importantes Projetos de Lei (PLs) destinados à regulamentação da assistência em domicílio, também conhecida como home care, “dormem” esquecidos nas gavetas da Presidência da Câmara dos Deputados. Embora tramitem em regime de urgência, essas propostas estão no epicentro de uma “quebra de braço” que já perdura há pelo menos 15 anos e que tem como principal adversário as operadoras de planos de saúde.
Atualmente, existem cerca de 40 proposituras em tramitação na Câmara dos Deputados com o termo home care. Desse total, 16 delas foram apresentadas nos últimos cinco anos. O que mais chama atenção é que a maioria dessas propostas versa praticamente sobre o mesmo tema: a inclusão da atenção domiciliar no rol de procedimentos obrigatórios a serem disponibilizados pelas operadoras de saúde, sempre que apontada a necessidade pelo médico que acompanha o caso.
Só para se ter uma dimensão de como o debate está atrasado, a política de atenção em domicílio já é disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) há cerca de uma década (Portaria nº 2.029/2011). Na rede privada, porém, ela ainda aguarda mudanças na legislação para que seja disponibilizada pelos planos de saúde. A demora dos congressistas para apreciar esses projetos têm causado irritação por parte de profissionais que trabalham e militam na área e de milhares de famílias que lutam para ter o direito ao benefício, que deveria ser incluído no rol de procedimentos dos planos de saúde.
Entre os projetos que merecem destaque estão: o PL nº 8.900/2017, de autoria do deputado Francisco Floriano (DEM-RJ), que prevê cobertura de internação domiciliar na modalidade home care; o PL nº 9.720/2018, do deputado Célio Silveira (PSD-GO), que versa sobre o mesmo assunto, mas propõe que a recomendação de tratamento em domicílio seja feita por, pelo menos, dois médicos; o PL nº 3.014/2019, de autoria dos deputados Lídice da Mata (PSB-BA), Denis Bezerra (PSB-CE) e Rosana Valle (PSB-SP), que torna obrigatória a cobertura de atendimento domiciliar de idosos, independentemente da previsão contratual, quando houver indicação do médico; e o PL nº 4.344/2020, da deputada Maria Rosas (Republicanos-SP), que inclui, no plano de referência de assistência à saúde, a cobertura para atendimento domiciliar.
Hoje, cerca de 25% da população brasileira conta com algum plano de assistência privada, o que equivale a quase 50 milhões de segurados. De acordo com a deputada Lídice da Mata, trata-se de uma parcela considerável da população que dispõe, mensalmente, de boa parte de seus rendimentos para ter a garantia de internação, nos casos em que esta for necessária. “Infelizmente, o rol mínimo de procedimentos da ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar] não prevê a obrigatoriedade do home care, mesmo em caso de indicação do médico assistente, e, com isso, milhões desses beneficiários, que não têm a previsão de atendimento domiciliar no contrato, acabam ficando internados em hospitais, mesmo sem indicação para tanto”, disse a parlamentar no dia em que protocolou o projeto.
A lógica defendida pelos autores dos PLs parte do princípio de que, se o plano de saúde cobre os recursos terapêuticos necessários ao diagnóstico e ao tratamento da doença, com a internação e os mais variados procedimentos médicos, então deve cobrir, também, toda a etapa seguinte que seja imprescindível para a recuperação do paciente. “Se há a indicação do médico assistente para que o atendimento seja home care, não cabe às operadoras de planos de saúde vetarem essa decisão com base em argumentos meramente econômicos”, defende o deputado Denis Bezerra.
O problema é que, mesmo tramitando em regime de urgência no Congresso Nacional, esses quatro importantes projetos, apresentados entre os anos de 2017 e 2020, sequer têm previsão para entrar em votação. Mesmo em se tratando de um momento difícil, de crise sanitária, em que os hospitais estão sobrecarregados e faltam leitos para atender a quem precisa, essas propostas não foram colocadas em pauta em nenhum momento desde o início da pandemia, em fevereiro de 2020.
Assim como aconteceu com a telemedicina, também é urgente o debate sobre a regulamentação da assistência home care no Brasil. O próprio volume de PLs apresentados nos últimos cinco anos evidencia o quanto a discussão é preeminente. O fato, porém, é que as operadoras valem-se do argumento de que, na Lei nº 9.656/1998, a qual dispõe sobre o funcionamento da Saúde Suplementar, não há nenhuma linha que as obrigue a prestar o serviço, mesmo sob a indicação de uma junta médica.
A própria Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), ao ser provocada a manifestar-se sobre o tema, emitiu uma nota, no dia 17 de maio de 2019, ratificando o que os segurados temiam. Mediante o Parecer Técnico nº 05/GEAS/GGRAS/DIPRO/2019, a entidade confirmou que não há, no rol de procedimentos mínimos obrigatórios a serem ofertados ao segurado, nenhum referente à atenção domiciliar.
“Cumpre assinalar que a Lei nº 9.656/1998 não inclui a atenção domiciliar entre as coberturas obrigatórias. Para uso domiciliar, a lei garante o fornecimento de bolsas de colostomia, ileostomia e urostomia, sonda vesical de demora e coletor de urina com conector (art. 10-B). Além disso, a lei deixa explícito que, nos casos de terapia medicamentosa, o fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar não está contemplado entre as coberturas obrigatórias (art. 10, inciso VI), exceção feita apenas para os medicamentos antineoplásicos orais, adjuvantes e para o controle de efeitos colaterais e adversos dos medicamentos antineoplásicos (art. 12, inciso I, alínea ‘c’, e inciso II, alínea ‘g’)”, cita o Parecer Técnico da ANS. “Assim, as operadoras não estão obrigadas a oferecer qualquer tipo de atenção domiciliar como parte da cobertura mínima obrigatória a ser garantida pelos planos novos e pelos planos antigos adaptados (…)”, complementa a nota.
Enquanto os PLs seguem engavetados, a impressão que fica é que o Brasil “fecha os olhos” para o futuro e a própria sustentabilidade de seu sistema de saúde. Os benefícios da atenção home care já são mundialmente difundidos, além de representarem uma economia de cerca de 35% em relação aos custos hospitalares, conforme apontou o último censo feito pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) em parceria com o Núcleo Nacional das Empresas de Serviços de Atenção Domiciliar (Nead).
Esses benefícios vão desde o processo de desospitalização, com a liberação de leitos historicamente ocupados, passando pelo sucesso de tratamentos que não podem sofrer interrupção, até a segurança, a humanização e o ganho de qualidade de vida para quem sofre de doenças agudas ou complexas.
O que ainda parece não estar claro é por que projetos com o poder de impactar positivamente a vida de tantas pessoas seguem sem a devida atenção de quem está ali justamente para fazê-los acontecer!
Felipe Nabuco
Jornalista