O Melhor em Casa é um programa criado pelo governo federal, em 2011, por meio da Portaria nº 2.029, com o objetivo de reformular e estruturar a política de atenção domiciliar no Sistema Único de Saúde (SUS). Nesses quase dez anos de atuação, o programa tem ampliado o acesso de pacientes com doenças agudas e crônicas graves aos cuidados diários de que necessitam, por meio da assistência em domicílio, também chamada de home care. Esse benefício, que, além de segurança e comodidade ao paciente, também proporciona impactos significativos na sustentabilidade do sistema de saúde, já é uma realidade em 618 municípios do país, o que corresponde, proporcionalmente, a 39% da população brasileira. Desde que foi iniciado, o Melhor em Casa já contabiliza mais de 12,5 milhões de atendimentos.
O princípio proposto pelo programa brasileiro contempla a atuação de dois tipos de equipes: a Equipe Multiprofissional de Atenção Domiciliar (Emad) e a Equipe Multidisciplinar de Apoio (Emap). A primeira é considerada a equipe principal e obrigatória do programa, que realiza todas as admissões. Ela é composta, obrigatoriamente, por médicos, enfermeiros, técnicos de Enfermagem e fisioterapeutas ou assistentes sociais. Já a segunda é uma equipe de apoio, sendo optativa e funcionando com menor financiamento, para a qual podem ser escolhidas três entre as oito categorias profissionais em que a rede possuir maior necessidade: fisioterapeuta, assistente social, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, psicólogo, dentista, farmacêutico e nutricionista. A solicitação para a implementação do programa é realizada pelo gestor local, que pode ser o secretário de saúde do município ou do estado.
Essas equipes possuem um importante papel na rede de serviços, uma vez que estão posicionadas, estrategicamente, entre o hospital e a atenção básica, em condições de assistir pacientes que possuem quadros complexos e necessidade de tratamento intermediário. São perfis de usuários com os mais variados quadros, que necessitam de assistência constante de uma equipe multidisciplinar (pelo menos uma vez por semana).
A prioridade do Melhor em Casa é para os pacientes com doença aguda, os pacientes crônicos em estado de agudização e os pacientes complexos. Habitualmente, o cuidado será transitório, exceto nos casos de complexidade progressiva e de cuidados paliativos, quando a equipe realiza o acompanhamento contínuo até o óbito. É interessante lembrar que, para os casos de pacientes crônicos estáveis, existem as Equipes da Saúde da Família, que prestam o cuidado domiciliar necessário ao paciente e, caso, o quadro venha a agudizar, apresentar uma intercorrência ou piora, a equipe do Melhor em Casa pode ser chamada.
Como dois dos objetivos principais do Melhor em Casa são evitar internações ou abreviá-las, esses pacientes, habitualmente, são egressos das portas de urgência das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), dos hospitais ou da atenção básica. São pacientes, portanto, que já vinham sendo acompanhados pelas Equipes de Saúde da Família, e que, de alguma maneira, agudizaram. Eles, sem a intervenção de uma Equipe de Atenção Domiciliar, seriam pacientes candidatos à hospitalização.
CUSTEIO E ORGANIZAÇÃO
Para habilitar as equipes do programa Melhor em Casa que vão integrar o Serviço de Atenção Domiciliar (SAD), o gestor municipal ou estadual deve acessar o Sistema de Apoio à Implementação de Políticas de Saúde (Saips) e preencher um formulário específico para esta finalidade, no qual constam os requisitos e os comprovantes necessários a serem validados pela equipe da área técnica do Ministério da Saúde (MS). Assim que aprovada a habilitação, a documentação segue para o setor orçamentário, que redige a portaria e a publica no Diário Oficial da União.
A partir da habilitação, essas equipes passam a receber um custeio mensal, provindo de um fundo de recurso, com o intuito de subsidiar o pagamento de salários, a aquisição de medicamentos especiais, entre outras necessidades. Este custeio mensal segue alguns critérios, a exemplo do número de habitantes dos municípios e da carga horária a ser exercida pelos profissionais das equipes.
As Emads tipo 1 recebem um repasse mensal em torno de R$ 50 mil. Em municípios com até 40 mil habitantes, nos quais atuam equipes menores (Emads tipo 2), o valor chega a R$ 34 mil. Já o custeio de cada Emap é de R$ 6 mil. É importante destacar que o número de Emads não resulta da escolha dos gestores, e, sim, está condicionado à proporção de uma para cada 100 mil habitantes.
Hoje, o programa Melhor em Casa conta com 1.544 equipes em funcionamento (entre Emads e Emaps), além de mais 119 já habilitadas, que estão aguardando a formação da equipe para começarem a atuar. Ao todo, são repassados, mensalmente, pelo governo federal a prefeituras e governos estaduais, para o custeio do programa, cerca de R$ 53 milhões.
Como meta, estima-se que sejam atendidos, em média, 60 pacientes por mês para as equipes maiores (Emads tipo 1), e uma média de 30 pacientes para as equipes menores. A intenção é progredir, ampliar o programa e a capacidade das equipes, para que consigam, cada vez mais, receber e cuidar adequadamente de pacientes dos perfis agudo, crônico, agudizado e complexo.
Vale ressaltar que, após habilitado o serviço, cabe aos municípios proverem o início do funcionamento do Melhor em Casa. Para isso, é necessário formar a equipe e capacitá-la, bem como providenciar todos os insumos, medicamentos e equipamentos necessários para a boa atenção domiciliar. Se a opção não for pela compra dos equipamentos, é necessário que seja estabelecido um fluxo dentro do SUS que subsidie o aluguel deles. É imprescindível, ainda, providenciar o transporte, os meios de comunicação, além de uma sede à equipe, que pode ser própria ou compartilhada com qualquer unidade de saúde da rede. A recomendação é que seja em uma sala dentro de um hospital local ou de um pronto atendimento, para que a captação de pacientes para a desospitalização pré e pós-hospitalar fique mais simplificada.
Assim, é muito importante que sejam estabelecidos fluxos para a captação e a alta dos pacientes, tanto na rede básica quanto nas urgências dos hospitais. No Caderno de Atenção Domiciliar nº 1, de 2012, foi disponibilizado um checklist com o intuito de orientar as equipes para a implantação do serviço. Neste caderno, existem pontos essenciais que devem ser providenciados para o início do funcionamento do programa, a exemplo da comunicação com a população, com os Conselhos de Saúde e com os outros equipamentos públicos, como Secretarias de Obras Sociais e Promotoria Pública, para que todos esses atores compreendam o papel deste novo ponto de cuidado da rede e para que parcerias sejam estabelecidas.
Interessante destacar, ainda, que as centrais de regulação de leitos deverão ser informadas sobre o início dos trabalhos, tendo em vista o seu papel importante no direcionamento de casos para o Melhor em Casa. O tempo mínimo de atividade diária das equipes durante a semana é de 12 horas. Contudo, existem equipes que chegam a operar nas 24 horas do dia. Já para finais de semana e feriados, funcionarão em regime de plantão para intercorrências e procedimentos diários necessários, como medicações venosas seriadas, por exemplo.
COVID-19
Especialmente nestes tempos atuais, durante a pandemia de Covid-19, o papel desempenhado pelo Melhor em Casa tem sido muito importante, justamente para os pacientes convalescentes, que passam a ser monitorados por mais tempo por uma equipe em condições de fornecer oxigênio ou terapia intravenosa em casa, e que possa prestar os cuidados necessários a ele até que cessem todos os sintomas pelos quais foi hospitalizado.
Muitas vezes, nos pacientes pós-Covid mais graves, que chegaram a ser intubados, constata-se a necessidade de reabilitação pulmonar, nutricional e até de apoio psicológico. Esse é um papel muito importante e que diversas equipes do Melhor em Casa vêm exercendo em muitas regiões do Brasil.
Estão entre os principais exemplos de quadros agudos típicos para o Melhor em Casa os casos que necessitam de tratamento com antibióticos ou antifúngicos, assim como os quadros de descompensação das doenças crônicas, como insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), diabetes, entre outras. Além disso, é grande o volume de pacientes pós-AVC que vão para casa para receber uma reabilitação mais intensiva dentro da janela terapêutica no momento pós-agudo ou no tratamento de intercorrências típicas associadas ao estado de imobilidade.
Interessante destacar o papel das equipes do Melhor em Casa neste período de pandemia, que vêm sendo incentivadas para o atendimento dos pacientes estabilizados pós-hospitalização, mas ainda com indicação de oxigenoterapia, por exemplo. Mesmo antes da Covid-19, algumas equipes já vinham realizando ventilação invasiva e não invasiva em domicílio para casos crônicos estáveis de insuficiência respiratória com toda a segurança e retaguarda da rede, o que representa um potencial muito importante de liberação de leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) de cidadãos às vezes “moradores de hospital”.
Por fim, vale ressaltar todo o esforço que o programa vem empreendendo desde a sua criação, para qualificar os profissionais que atuam na assistência domiciliar. A coordenação do Melhor em Casa busca, para além da quantidade, a qualidade das formações e dos treinamentos ofertados aos profissionais. Neste sentido, muitos foram os instrumentos utilizados, como cursos on-line disponibilizados de 2013 a 2017 pela Universidade do SUS (UNA-SUS), em parceria com oito universidades federais, que contaram com a participação de mais de 300 mil alunos. Também foram lançados cadernos e notas técnicas que auxiliaram na qualificação das equipes. Já em parceria com o Hospital Alemão Oswaldo Cruz, dentro do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), foram promovidos vários treinamentos e capacitações para complexificação do cuidado aos serviços do país inteiro.
Essas iniciativas vêm promovendo uma evolução positiva nos resultados do programa e uma capacidade de atuação muito responsável Brasil afora.
* Médica, referência técnica para atenção domiciliar do Ministério da Saúde CGAHD/DAHU/SAES.