Nycolle Soares*
Na edição número 299 da Revista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), de janeiro/2021, a manchete trouxe como destaque uma matéria intitulada “Economia do cuidado”, que trata dos desafios do envelhecimento populacional e suas consequências. Um dado interessante é que, na América Latina, o cuidado que precisa ser destinado aos idosos e doentes concentra-se sob a responsabilidade da família, o que, de fato, é uma característica presente na sociedade brasileira.
A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada entre os anos de 2017 e 2018, do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), mostra que, dos 57,2 milhões de lares existentes no país, ao menos 17,6% têm algum tipo de despesa com pagamento de serviços domésticos e de cuidado. Entre esses serviços está a assistência médica domiciliar, popularmente conhecida como home care, que, em uma tradução livre, significa “o cuidado em casa”.
A diferença nesse cuidado em específico é que ele envolve a assistência à saúde, e quem está sendo atendido é, invariavelmente, um paciente com uma doença ou várias, que demanda cuidado permanente ainda que no âmbito do lar.
Nessa dinâmica, a casa do paciente passa a ser “ocupada” por vários profissionais que se revezam em seu cuidado e que, diariamente, podem estar em contato com seus familiares. Via de regra, esse suporte é fornecido por empresas que conseguem estruturar as equipes multidisciplinares que irão atender os pacientes e também fornecem equipamentos para tal, o que torna esse vínculo bastante diferente do que acontece na contratação de um único cuidador, por exemplo.
Então, é preciso pensar na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no âmbito desse atendimento. Por esse caráter “doméstico”, inicialmente se poderia pensar que esta lei não seria aplicada às relações estabelecidas pelas empresas de home care e seus pacientes, ou até mesmo nos casos em que o atendimento é realizado por equipes vinculadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), mas isso seria um enorme equívoco.
Ainda que o atendimento não seja realizado no espaço físico institucional, as informações do paciente, com toda certeza, foram coletadas e estão inseridas em sistemas que controlam vários dados sobre o seu cuidado. Além disso, é possível que as informações coletadas também englobem dados relativos aos seus familiares e responsáveis.
A LGPD é a lei que trata da proteção dos dados pessoais e traz, em sua redação, a definição do que são dados pessoais sensíveis, sendo que os dados de saúde enquadram-se nessa categoria. Os dados pessoais sensíveis demandam ainda mais cuidado com a sua utilização.
Nesse cenário, é absolutamente necessário que os profissionais que estão envolvidos nesse cuidado estejam devidamente capacitados também quanto ao que prevê a LGPD. No caso do Setor Saúde, como as informações dos pacientes enquadram-se na categoria de dado pessoal sensível, ainda que a empresa tenha porte reduzido, não há como não se adequar minimamente ao que a LGPD traz como obrigações.
Ainda que o espaço do cuidado, quando se trata de atendimento em home care, seja limitado, a proteção dos dados não pode seguir essa lógica, o que obriga todos que estão envolvidos nesse tipo de operação a se adequarem à LGPD.
* Advogada, especialista em Direito da Saúde, presidente do IGDD/GO e sócia do Lara Martins Advogados.