Gilvane Lolato*
A atenção domiciliar, ao longo dos anos, tem se destacado na melhoria dos processos de gestão da qualidade e segurança dos pacientes, conquistando espaços importantes em congressos e simpósios como pauta recorrente em fóruns de discussão. Apesar de já contar com legislação específica – Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 11, de 26 de janeiro de 2006, que dispõe sobre o regulamento técnico de funcionamento de serviços que prestam atenção domiciliar –, estamos diante de um desafio imenso quando pensamos na gestão da qualidade e segurança do paciente.
Falar em atenção domiciliar requer um olhar sistêmico desde o momento em que o paciente ainda está internado em um hospital até um atendimento pontual. No caso de paciente que está hospitalizado e que tem uma família que deseja muito a internação em domicílio, é preciso compreender que se trata de uma operacionalização que envolve um conjunto de ações e suporte que vão muito além da simples liberação para a hospitalização em casa. Depende de uma avaliação que precisa acontecer com o paciente ainda na organização de saúde, uma análise particular ou realizada pelo convênio para que o paciente possa ser liberado.
Estamos falando de algumas situações em que a avaliação realizada por um profissional de saúde pode não ser aceita e que precisa de ajustes, seja por conta da complexidade do paciente, seja porque tem uma solicitação. Além da avaliação da pessoa internada, é importante uma análise do domicílio em termos de infraestrutura para que o paciente seja atendido da melhor forma possível. São levados em consideração: necessidade de recursos humanos, materiais, medicamentos, equipamentos; retaguarda de serviços de saúde; cronograma de atividades dos profissionais; logística de atendimento; apoio familiar; rede de atenção; entre outras questões importantes. Assim, a partir de todas as informações coletadas e analisadas, tem-se, então, a liberação da internação domiciliar ou não.
É a partir da liberação do paciente ao domicílio que acontece a admissão, na qual a família ou o cuidador é envolvido em conjunto com os profissionais de saúde. A admissão do paciente em atenção domiciliar é caracterizada pela indicação, pela elaboração do plano de atenção domiciliar e pelo início da prestação da assistência ou da internação domiciliar.
A partir desse momento, existe um cuidado compartilhado entre paciente, cuidadores, familiares e profissionais de saúde, pois, dependendo do plano de atenção, pode haver assistência de profissionais de saúde durante 24 horas, 12 horas ou menos. Dependendo do que foi liberado, existem alguns materiais e medicamentos que a família deverá providenciar; em muitas das vezes, ela precisa até administrar o medicamento, realizar o cuidado necessário, saber utilizar a bala de oxigênio, manipular equipamentos, entre tantas outras ações.
As orientações que os profissionais de saúde realizam aos familiares e cuidadores relacionadas à higienização, aos cuidados com o enfermo, à movimentação dele, à sua alimentação, entre outras, farão toda a diferença para o paciente. Famílias inteiras acabam mudando totalmente sua rotina, seus hábitos, suas estruturas para poder proporcionar o melhor cuidado em casa.
São muitos os desafios diários, pois, diferentemente de uma organização de saúde, que conta com equipes multidisciplinares e tem um cuidado controlado, no domicílio essa atenção depende de uma família que compreenda o cuidado, de um paciente que colabora, de cuidadores ou profissionais bem capacitados e de uma grande infraestrutura.
Com o passar dos anos, evoluímos muito na atenção domiciliar por conta de várias iniciativas. Uma delas, sem sombra de dúvidas, é a acreditação, que vem buscando se adaptar cada vez mais para melhorar a assistência e o atendimento no domicílio. A metodologia da Organização Nacional de Acreditação (ONA) já possui o atendimento e a internação domiciliares como elegíveis para o processo de acreditação, mas, ainda assim, há alguns desafios, que se referem a trazer os requisitos e os padrões para mais perto da realidade da atenção domiciliar.
Quando se tenta aplicar os requisitos para a realidade da atenção domiciliar, é preciso levar em consideração os riscos na gestão, na logística, na segurança, no apoio e, principalmente, na assistência. Em se tratando de assistência, é importante ter um olhar voltado a entender o contexto e a realidade do domicílio em questão, compreender todas as partes interessadas envolvidas e avaliar a segurança na assistência diante de todo este contexto: falar de protocolos aplicáveis, sejam eles de prevenção, sejam de tratamento; falar de mudança de decúbito, quando é o familiar que a realiza; falar de segurança na cadeia medicamentosa, já que é o familiar, na maioria das vezes, quem recebe, confere e administra; entender que o único local que ele tem para armazenar o medicamento é, muitas das vezes, o menos adequado; que nem sempre haverá um espaço no domicílio com ar-condicionado para o paciente, por mais que ele precise; que a higienização da cama e do espaço físico deve ser realizada da melhor forma possível, mesmo que não atenda à totalidade; que a higienização das mãos deve ser feita por todos; que o resíduo é descartado e recolhido pelo familiar; ou seja, que todas as ações e medidas preventivas necessárias podem ser, em algum momento, realizadas por um cuidador, um familiar, mas que são feitas com muito amor. Entender todas essas questões faz parte do processo, pois tudo o que o paciente mais quer ele tem, que é estar em sua casa.
* Graduada em Administração de Empresas e mestranda em Gestão e Metodologias da Qualidade e Segurança da Atenção em Saúde. Docente, atua na gestão da qualidade em saúde há mais de dez anos. Gerente de Educação da ONA. Fellowship ISQua.